“O sistema cardiopulmonar funciona como uma unidade integrada, onde a disfunção em um componente inevitavelmente afeta o outro” – West’s Respiratory Physiology, 2023.
As doenças cardiorrespiratórias representam um dos maiores desafios da saúde global no século XXI, possuindo grandes impactos na morbimortalidade e na qualidade de vida dos pacientes. Dados epidemiológicos recentes revelam cerca de 523 milhões de indivíduos convivendo com doenças cardiovasculares, enquanto 384 milhões são afetados por condições respiratórias em nível crônico (IHME, 2019; GOLD, 2023).
A ligação entre esses sistemas é fundamental durante os cuidados em saúde, especialmente quando se trata de reabilitação. O sangue recebido pelo pulmão, rico em gás carbônico, chega por meio do coração pela artéria pulmonar. Em um dos processos mais rápidos do corpo humano (menos de meio segundo), o oxigênio dos pulmões cruza a barreira alvéolo capilar, fazendo com que o sangue rico em O² seja levado de volta ao átrio esquerdo pelas veias pulmonares, e posteriormente ao ventrículo esquerdo do coração, sendo distribuído para todo o corpo através da aorta. Assim se vão 17.000 vezes a cada dia, sendo cerca de 8.000 litros de sangue oxigenado (Guyton & Hall, 2021).
A fisiopatologia de doenças e condições clínicas desencadeia, nesses sistemas, uma redução significativa da capacidade funcional, comprometendo a oxigenação de tecidos e órgãos e o declínio da tolerância ao esforço físico. Nesse sentido, a reabilitação cardiorrespiratória (RCR) emerge como uma intervenção, a fim de restaurar a eficiência desses sistemas por meio de protocolos de exercício físico, otimização e suporte ventilatório, e a observação de sinais homeostáticos quando há uma exposição do organismo ao estresse de uma atividade física, como o PH sanguíneo, frequência cardíaca, saturação, pressão arterial, entre outros.
Neste blog iremos explorar os mecanismos fisiopatológicos, estratégias terapêuticas e os avanços científicos que levam a atuação da Fisioterapia a um patamar indispensável na recuperação desses pacientes, seja a nível hospitalar ou ambulatorial.
INDICAÇÕES
A reabilitação abrange desde doenças agudas até condições crônicas, sendo eficaz em diversas situações. Sua aplicação envolve algumas doenças, complicações e intervenções relacionadas ao coração, como:
- Hipertensão arterial
- Pós-infarto agudo do miocárdio (IAM)
- Cardiopatias congênitas
- Insuficiência cardíaca (IC)
- Pós-cirurgia cardíaca
As intervenções no sistema respiratório se incluem, principalmente, nas seguintes condições clínicas:
- DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica)
- Pós-operatório em cirurgias na região torácica (com foco na preservação da função pulmonar)
- Fibrose pulmonar e doenças intersticiais
- Sequelas pós-COVID-19
- Prevenção de complicações pulmonares (como atelectasias e disfunções respiratórias)
(BRUNETTI et al., 2022)
AVALIAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA
A avaliação é essencial para uma conduta individualizada, guiada pelas necessidades específicas de cada paciente. Ela orienta desde a prescrição dos exercícios, até estratégias de suporte respiratório e monitoramento cardiológico, contribuindo para maior segurança e eficácia na reabilitação.
Nesse sentido, além das informações obtidas na anamnese, é possível mensurar parâmetros específicos desses sistemas por meio da aplicação de testes clínicos e funcionais, como:
- Teste Cardiopulmonar de Esforço (TCPE) ou Ergoespirometria: Define limiares aeróbio, anaeróbio e o volume máximo de oxigênio consumido durante a atividade, além de ter a capacidade de estimar a frequência cardíaca máxima suportada pelo coração (MEDINA et al., 2024).
- Teste de Caminhada de 6 Minutos (TC6M): É um instrumento clínico de fácil aplicação, com baixo custo e alta eficácia. Amplamente utilizado na prática clínica, esse teste submáximo avalia a capacidade funcional do sistema cardíaco do paciente e seu prognóstico por meio do esforço físico (BELLET; ADAMS; MORRIS, 2012).
- Espirometria: Exame fundamental para mensurar volumes pulmonares e detectar padrões obstrutivos ou restritivos do sistema respiratório (SOUZA et al., 2019).
- Teste Ergométrico: Complementar a avaliação fisioterapêutica, é um teste médico que avalia a resposta cardiovascular ao esforço físico, observando alterações na pressão arterial, ritmo e frequência cardíaca. É considerado um teste máximo, pois leva o paciente ao limite da capacidade cardiovascular (ROCHA; SANTOS; SILVA, 2009).

(Pessoa realizando a Espirometria)
Fonte: https://www.tuasaude.com/espirometria/
PRESCRIÇÃO DE EXERCÍCIOS
Após a avaliação, inicia-se o planejamento do processo prático da reabilitação. Dessa forma, o Fisioterapeuta prescreverá os exercícios de acordo com o tipo, frequência, intensidade e tempo, visando a segurança do paciente de acordo com seus limites, capacidades e objetivos terapêuticos.
- Treinamento Aeróbico: Realizado por meio da caminhada, bicicleta ergométrica, esteira ou cicloergômetro. Fundamental para aumentar a eficiência do transporte e utilização de oxigênio pelos tecidos, além de otimizar a função cardíaca ao promover adaptações cardiovasculares e metabólicas, aumentando a tolerância ao esforço, redução de sintomas e melhora da qualidade de vida (GAROFALO et al., 2021).
- Exercícios Respiratórios: Entre os recursos mais utilizados, os aparelhos Respiron e Threshold IMT têm como objetivo fortalecer a musculatura inspiratória, promovendo melhora da ventilação pulmonar. Além disso, o uso de técnicas como a respiração diafragmática e freno labial também são utilizadas durante a terapia, de forma que auxiliam na eficiência do controle e função respiratória, assim como a utilização de manobras manuais, como por exemplo, a compressão e descompressão torácica, e o estímulo tátil, que facilitam a mobilização do ar pelas vias aéreas e o recrutamento pulmonar, muito importantes para eliminação de secreções (MENESES et al., 2022).
- Treino Resistido: Tem como principal objetivo o fortalecimento muscular e a melhora do desempenho funcional do paciente, além de contribuir para o aumento da capacidade de realizar atividades de vida diária e a redução da fadiga muscular. Indicado principalmente para condições crônicas, períodos prolongados de descondicionamento físico e sedentarismo. Pode ser feito com o uso de halteres, caneleiras, faixas elásticas ou até mesmo com o próprio peso corporal (MOTA et al., 2020).
Pesquisas recentes a respeito de alguns dispositivos utilizados para treinamento muscular inspiratório com biofeedback digital, como o PowerBreathe K-Series e o PrO2 Fit, demonstram melhoras na força muscular respiratória, qualidade de vida e tolerância ao esforço físico em pacientes com DPOC e insuficiência cardíaca. Esses achados analisam positivamente as atualidades científicas com a RCR (MENESES et al., 2022).

(Pessoa utilizando o Threshold IMT)
Fonte: https://www.oxigo.co/en-be/products/philips-threshold-imt-respiratory-muscle-trainer
A reabilitação por meio da atividade física não apenas transforma os parâmetros fisiológicos, como também promove impactos psicossociais profundos, reduzindo sintomas depressivos, melhorando a autoestima e o prazer de realizar as atividades de vida diária. Mais do que um tratamento, ela representa uma ponte para a retomada da qualidade de vida. É sobre reencontrar a liberdade e a confiança de existir com saúde e dignidade.
É dessa forma que a atuação da Fisioterapia na reabilitação cardiorrespiratória encontra sua essência: devolver, passo a passo, o fôlego, o ritmo e o movimento da vida.
Blog Desenvolvido pela Discente Maria Gabrielle Nascimento Siqueira.
REFERÊNCIAS
WEST, John B. West’s Respiratory Physiology: the essentials. 11. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2023.
INSTITUTE FOR HEALTH METRICS AND EVALUATION – IHME. Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019). Seattle: IHME, 2020.
GLOBAL INITIATIVE FOR CHRONIC OBSTRUCTIVE LUNG DISEASE – GOLD. Global Strategy for the Diagnosis, Management, and Prevention of Chronic Obstructive Pulmonary Disease – 2023 Report. GOLD, 2023.
GUYTON, Arthur C.; HALL, John E. Tratado de Fisiologia Médica. 14. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2021.
BRUNETTI, I. L. et al. Reabilitação cardiopulmonar: bases fisiológicas e aplicações clínicas. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, Brasília, v. 20, n. 3, p. 211–220, 2022. DOI: 10.22478/ufpb.2317-6032.2022v20n3.62573.
MEDINA, M. S. L. et al. Doenças valvares sob a perspectiva do Teste Cardiopulmonar de Exercício: uma revisão integrativa dos últimos 10 anos. Revista JRG de Estudos Acadêmicos, v. 7, n. 14, p. e141089, 13 de maio de 2024.
BELLET, R. N.; ADAMS, L.; MORRIS, N. R. The 6-minute walk test in outpatient cardiac rehabilitation: validity, reliability and responsiveness—a systematic review. Physiotherapy, v. 98, n. 4, p. 277–286, dez. 2012.
SOUZA, A. C. S. et al. Espirometria na avaliação funcional pulmonar: sua importância na detecção de doenças respiratórias obstrutivas e restritivas. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 23, n. 2, p. 168-174, 2019. DOI: 10.1016/j.bjpt.2019.04.003.
ROCHA, Gicela Risso; SANTOS, Isadora dos; SILVA, Rodrigo da. Teste ergométrico: indicações e contraindicações. Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, ano XVII, n. 16, p. 24–28, 2009.
GAROFALO, L. P. et al. Treinamento aeróbico e suas adaptações cardiovasculares: uma revisão de literatura. Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício, São Paulo, v. 20, n. 2, p. 178-186, 2021. DOI: 10.1590/1980-0037.2021v20n2.178-186.
MOTA, J. F. et al. Treinamento resistido e sua influência no fortalecimento muscular e na capacidade funcional: revisão da literatura. Jornal Brasileiro de Reabilitação, Rio de Janeiro, v. 32, n. 3, p. 265-274, 2020. DOI: 10.1590/0103-0077.2020v32n3.265-274.
MENESES, Kátia de. et al. Efeitos do treinamento muscular inspiratório com feedback eletrônico na capacidade funcional de pacientes com insuficiência cardíaca: revisão sistemática e metanálise. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 26, n. 5, p. 413–421, 2022.